terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Deus como problema

Entre todas as coisas improváveis do mundo, ocupa um dos primeiros lugares a hipótese de que o cardeal Rouco Varela venha a ler este blog. Em todo o caso, uma vez que a Igreja Católica continua a afirmar que os milagres existem, a ela e a eles me confio para que, sob os olhos do ilustre, instruído e simpático purpurado, caiam um dia as linhas que se seguem. Há muitos mais problemas que o laicismo, considerado por sua eminência responsável do nazismo e do comunismo, e é precisamente de um deles que se fala aqui. Leia, senhor cardeal, leia. Ponha o seu espírito a fazer ginástica.

Deus como problema

Não tenho dúvidas de que este arrazoado, logo a começar pelo título, irá obrar o prodígio de pôr de acordo, ao menos por esta vez, os dois irredutíveis irmãos inimigos que se chamam Islamismo e Cristianismo, particularmente na vertente universal (isto é, católica) a que o primeiro aspira e em que o segundo, ilusoriamente, ainda continua a imaginar-se. Na mais benévola das hipóteses de reacção possíveis, clamarão os bem-pensantes que se trata de uma provocação inadmissível, de uma indesculpável ofensa ao sentimento religioso dos crentes de ambos os partidos, e, na pior delas (supondo que pior não haja), acusar-me-ão de impiedade, de sacrilégio, de blasfémia, de profanação, de desacato, de quantos outros delitos mais, de calibre idêntico, sejam capazes de descobrir, e portanto, quem sabe, merecedor de um castigo que me sirva de escarmento para o resto da vida. Se eu próprio pertencesse ao grémio cristão, o catolicismo vaticano teria de interromper os espectáculos estilo cecil b. de mille em que agora se compraz para dar-se ao trabalho de me excomungar, porém, cumprida essa obrigação disciplinária, veria caírem-se-lhe os braços. Já lhe escasseiam as forças para proezas mais atrevidas, uma vez que os rios de lágrimas choradas pelas suas vítimas empaparam, esperemos que para sempre, a lenha dos arsenais tecnológicos da primeira inquisição. Quanto ao islamismo, na sua moderna versão fundamentalista e violenta (tão violenta e fundamentalista como foi o catolicismo na sua versão imperial), a palavra de ordem por excelência, todos os dias insanamente proclamada, é “morte aos infiéis”, ou, em tradução livre, se não crês em Alá, não passas de imunda barata que, não obstante ser também ela uma criatura nascida do Fiat divino, qualquer muçulmano cultivador dos métodos expeditivos terá o sagrado direito e o sacrossanto dever de esmagar sob o chinelo com que entrará no paraíso de Maomé para ser recebido no voluptuoso seio das huris. Permita-se-me portanto que torne a dizer que Deus, sendo desde sempre um problema, é, agora, o problema.

Como qualquer outra pessoa a quem a lastimável situação do mundo em que vive não é de todo indiferente, tenho lido alguma coisa do que se tem escrito por aí sobre os motivos de natureza política, económica, social, psicológica, estratégica, e até moral, em que se presume terem ganho raízes os movimentos islamistas agressivos que estão lançando sobre o denominado mundo ocidental (mas não só ele) a desorientação, o medo, o mais extremo terror. Foram suficientes, aqui e além, umas quantas bombas de relativa baixa potência (recordemos que quase sempre foram transportadas em mochila ao lugar dos atentados) para que os alicerces da nossa tão luminosa civilização estremecessem e abrissem fendas, e ruíssem aparatosamente as afinal precárias estruturas da segurança colectiva com tanto trabalho e despesa levantadas e mantidas. Os nossos pés, que críamos fundidos no mais resistente dos aços, eram, afinal, de barro.

É o choque das civilizações, dir-se-á. Será, mas a mim não me parece. Os mais de sete mil milhões de habitantes deste planeta, todos eles, vivem no que seria mais exacto chamarmos a civilização mundial do petróleo, e a tal ponto que nem sequer estão fora dela (vivendo, claro está, a sua falta) aqueles que se encontram privados do precioso “ouro negro”. Esta civilização do petróleo cria e satisfaz (de maneira desigual, já sabemos) múltiplas necessidades que não só reúnem ao redor do mesmo poço os gregos e os troianos da citação clássica, mas também os árabes e os não árabes, os cristãos e os muçulmanos, sem falar naqueles que, não sendo uma coisa nem outra, têm, onde quer que se encontrem, um automóvel para conduzir, uma escavadora para pôr a trabalhar, um isqueiro para acender. Evidentemente, isto não significa que por baixo dessa civilização a todos comum não sejam discerníveis os rasgos (mais do que simples rasgos em certos casos) de civilizações e culturas antigas que agora se encontram imersas em um processo tecnológico de ocidentalização a marchas forçadas, o qual, não obstante, só com muita dificuldade tem logrado penetrar no miolo substancial das mentalidades pessoais e colectivas correspondentes. Por alguma razão se diz que o hábito não faz o monge…

Uma aliança de civilizações poderá representar, no caso de vir a concretizar-se, um passo importante no caminho da diminuição das tensões mundiais de que cada vez parecemos estar mais longe, porém, seria de todos os pontos de vista insuficiente, ou mesmo totalmente inoperante, se não incluísse, como item fundamental, um diálogo inter-religiões, já que neste caso está excluída qualquer remota possibilidade de uma aliança… Como não há motivos para temer que chineses, japoneses e indianos, por exemplo, estejam a preparar planos de conquista do mundo, difundindo as suas diversas crenças (confucionismo, budismo, taoísmo, hinduísmo) por via pacífica ou violenta, é mais do que óbvio que quando se fala de aliança das civilizações se está a pensar, especialmente, em cristãos e muçulmanos, esses irmãos inimigos que vêm alternando, ao longo da história, ora um, ora outro, os seus trágicos e pelos vistos intermináveis papéis de verdugo e de vítima.

Portanto, quer se queira, quer não, Deus como problema, Deus como pedra no meio do caminho, Deus como pretexto para o ódio, Deus como agente de desunião. Mas desta evidência palmar não se ousa falar em nenhuma das múltiplas análises da questão, sejam elas de tipo político, económico, sociológico, psicológico ou utilitariamente estratégico. É como se uma espécie de temor reverencial ou a resignação ao “politicamente correcto e estabelecido” impedissem o analista de perceber algo que está presente nas malhas da rede e as converte num entramado labiríntico de que não tem havido maneira de sairmos, isto é, Deus. Se eu dissesse a um cristão ou a um muçulmano que no universo há mais de 400 mil milhões de galáxias e que cada uma delas contém mais de 400 mil milhões de estrelas, e que Deus, seja ele Alá ou o outro, não poderia ter feito isto, melhor ainda, não teria nenhum motivo para fazê-lo, responder-me-iam indignados que a Deus, seja ele Alá ou o outro, nada é impossível. Excepto, pelos vistos, diria eu, fazer a paz entre o islão e o cristianismo, e, de caminho, conciliar a mais desgraçada das espécies animais que se diz terem nascido da sua vontade (e à sua semelhança), a espécie humana, precisamente.

Não há amor nem justiça no universo físico. Tão-pouco há crueldade. Nenhum poder preside aos 400 mil milhões de galáxias e aos 400 mil milhões de estrelas existentes em cada uma. Ninguém faz nascer o Sol cada dia e a Lua cada noite, mesmo que não seja visível no céu. Postos aqui sem sabermos porquê nem para quê, tivemos de inventar tudo. Também inventámos Deus, mas esse não saiu das nossas cabeças, ficou lá dentro como factor de vida algumas vezes, como instrumento de morte quase sempre. Podemos dizer “Aqui está o arado que inventámos”, não podemos dizer “Aqui está o Deus que inventou o homem que inventou o arado”. A esse Deus não podemos arrancá-lo de dentro das nossas cabeças, não o podem fazer nem mesmo os próprios ateus, entre os quais me incluo. Mas ao menos discutamo-lo. Já nada adianta dizer que matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino. Para os que matam em nome de Deus, Deus não é só o juiz que os absolverá, é o Pai poderoso que dentro das suas cabeças juntou antes a lenha para o auto-de-fé e agora prepara e ordena colocar a bomba. Discutamos essa invenção, resolvamos esse problema, reconheçamos ao menos que ele existe. Antes que nos tornemos todos loucos. E daí, quem sabe? Talvez fosse a maneira de não continuarmos a matar-nos uns aos outros.

A pergunta

A pergunta


E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?

Almeida Garrett
(1799-1854)

Receita para matar um homem

A referência a Martin Luther King no texto anterior deste blog fez-me recordar uma crónica publicada em 1968 ou 1969 com o título de “Receita para matar um homem”. Aqui a deixo outra vez como sentida homenagem a um verdadeiro revolucionário que abriu o caminho que levará ao fim próximo e definitivo da segregação racial nos Estados Unidos.

Receita para matar um homem

Tomam-se umas dezenas de quilos de carne, ossos e sangue, segundo os padrões adequados. Dispõem-se harmoniosamente em cabeça, tronco e membros, recheiam-se de vísceras e de uma rede de veias e nervos, tendo o cuidado de evitar erros de fabrico que dêem pretexto ao aparecimento de fenómenos teratológicos. A cor da pele não tem importância nenhuma.

Ao produto deste trabalho melindroso dá-se o nome de homem. Serve-se quente ou frio, conforme a latitude, a estação do ano, a idade e o temperamento. Quando se pretende lançar protótipos no mercado, infundem-se-lhes algumas qualidades que os vão distinguir do comum: coragem, inteligência, sensibilidade, carácter, amor da justiça, bondade activa, respeito pelo próximo e pelo distante. Os produtos de segunda escolha terão, em maior ou menos grau, um ou outro destes atributos positivos, a par dos opostos, em geral predominantes. Manda a modéstia não considerar viáveis os produtos integralmente positivos ou negativos. De qualquer modo, sabe-se que também nestes casos a cor da pele não tem importância nenhuma.

O homem, entretanto classificado por um rótulo pessoal que o distinguirá dos seus parceiros, saídos como ele da linha de montagem, é posto a viver num edifício a que se dá, por sua vez, o nome de Sociedade. Ocupará um dos andares desse edifício, mas raramente lhe será consentido subir a escada. Descer é permitido e por vezes facilitado. Nos andares do edifício há muitas moradas, designadas umas vezes por camadas sociais, outras vezes por profissões. A circulação faz-se por canais chamados hábito, costume e preconceito. É perigoso andar contra a corrente dos canais, embora certos homens o façam durante toda a sua vida. Esses homens, em cuja massa carnal estão fundidas as qualidades que roçam a perfeição, ou que por essas qualidades optaram deliberadamente, não se distinguem pela cor da pele. Há-os brancos e negros, amarelos e pardos. São poucos os acobreados por se tratar de uma série quase extinta.

O destino final do homem é, como se sabe desde o princípio do mundo, a morte. A morte, no seu momento preciso, é igual para todos. Não o que a precede imediatamente. Pode-se morrer com simplicidade, como quem adormece; pode-se morrer entre as tenazes de uma dessas doenças de que eufemisticamente se diz que “não perdoam”; pode-se morrer sob a tortura, num campo de concentração; pode-se morrer volatilizado no interior de um sol atómico; pode-se morrer ao volante de um Jaguar ou atropelado por ele; pode-se morrer de fome ou de indigestão; pode-se morrer também de um tiro de espingarda, ao fim da tarde, quando ainda hà luz de dia e não se acredita que a morte esteja perto. Mas a cor da pele não tem importância nenhuma.

Martin Luther King era um homem como qualquer de nós. Tinha as virtudes que sabemos, certamente alguns defeitos que não lhe diminuíam as virtudes. Tinha um trabalho a fazer – e fazia-o. Lutava contra as correntes do costume, do hábito e do preconceito, mergulhado nelas até ao pescoço. Até que veio o tiro de espingarda lembrar aos distraídos que nós somos que a cor da pele tem muita importância.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


Quem pode imaginar hoje poder resolver os problemas do mundo sem países como a China, a Índia, e, é claro, o Brasil?

Sarkozy à Folha de São Paulo na véspera de sua visita de dois dias ao Brasil, que se inicia hoje.

Tomem nota: o homem chega mais como garoto propaganda da indústria bélica francesa do que como presidente da República. Senão vejamos: na mala o projeto de instalação no Brasil de um estaleiro de submarinos nucleares, um vasto programa de cooperação tecnológica na área militar e, para começar, a venda de 50 helicópteros franceses pela bagatela de 1,5 bilhão de euros. Não foi à-toa que Le Monde de Paris iniciou reportagem sobre a visita assim...Gigante e líder natural da América do Sul, o Brasil não possui ainda um exército a altura de suas ambições regionais.

Perguntinha:

Se fosse a Venezuela fazendo negócio de tal magnitude com a Rússia o que estariam dizendo os jornais?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Este tipo de resolução deve ser levada ao tacho, à lixeira, ao banheiro, porque ofende um país

Evo Morales, no encerramento da Primeira Cúpula da América Latina e do Caribe em Sauípe, referindo-se à decisão da OEA em expulsar Cuba, em 1962. A proposta feita por Morales foi de dar um prazo ao próximo governo estadunidense para terminar com o embargo contra Cuba, sob pena de que todos os países latino-americanos cortem relações com os EUA. Lula, armado de política real (a realpolitik inventada pelos alemães), respondeu na bucha:

Eu sou mais cauteloso do que o Evo Morales.

Hugo Chávez, para não ficar
de fora, disse:

O Brasil exerce uma liderança importante na América Latina, mas na região não há um líder único.

Vamos esperar que um dia – que dure milênios! – os líderes sejam atirados onde merecem:

NA LATA DE LIXO DA HISTÓRIA

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

AI-5, Direitos Humanos e revoltas na atualidade


A declaração Universal dos Direitos Humanos (que era incialmente direitos dos homens, até que tomaram um
semancol) completou 60 anos na semana
que passou. Em sentido contrário, também um outro aniversário, triste e vergonhoso. Os quarenta anos do Ato Institucional número 5,
o AI-5, editado no dia 13 de dezembro de 1968, o golpe dentro do golpe, colocando no papel, sem meias palavras, o que é próprio de uma ditadura: reprimir, jogando ao lixo qualquer declaração sobre direitos individuais.

A semana também terminou com um duvidoso ato do governo, diminuindo o imposto sobre operações financeiras e compra de automóveis. No total, segundo manchete da Folha de São Paulo do dia 12, o governo já disponibilizou R$ 250 bilhões a fim de combater a crise, quer dizer, não deixar cair a peteca do capitalismo, o mesmo que, com seu consumismo desvairado, está destruíndo o Planeta. Fato, aliás, mais uma vez comprovado na Conferência sobre o Clima da ONU, em Poznan, na Polônia.

De quebra, uma comissão do Senado estadunidense publicou um relatório acusando o ex-secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, de cumplicidade nas torturas perpetradas na prisão de Abu Ghraib no Iraque e em Guantãnamo, a base que os EUA ocupam em Cuba.
E, na Grécia, o estouro da rebelião
popular, na esteira da crise mundial provocada por banqueiros e especuladores irresponsáveis.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Não me senti nem um pouco ameaçado


Não me senti nem um pouco ameaçado

Bush, comentando o sapato atirado contra ele por um jornalista iraquiano, durante entrevista coletiva em Bagdá. Foi sua última visita ao Iraque como presidente.

Ele tem razão, sapato não ameaça a vida de ninguém. O que destroe vidas são os mísseis, bombas e balas que despeja sobre o povo iraquiano há cinco anos.

Mas não deixa de ter sido uma supresa esta cena de pastelão, ou de sapatada, na tragédia iraquiana, temperada com sangue e mentira.

Por coincidência, o New York Times publicou no dia do sapato um relatório sobre o fracasso na chamada reconstrução do Iraque, depois da destruição em nome das companhias de petróleo.

Bush sai como bufão de uma ópera mal interpretada, sem as palmas que estão agora reservadas para Obama, a caixa de Pandora com muitas supresas e, temo, nem todas agradáveis.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A criação da USP e a elite paulista

A história da intelligentsia brasileira remonta a militância pelo fim da escravidão dos idos 1870. Sob influencia positivista e liberal, muitos foram os homens de idéia, acadêmicos até, que se embrenharam direta ou indiretamente na política. Esta foi a pedra angular da construção intelectual. Já na virada do século, romancistas denunciavam as chagas da escravidão, despreocupadas pela república em muitos aspectos, num diálogo construtivo com a geração anterior. Outros, na década de vinte, questionavam o aspecto europeizado não só da república, que já trazia em seu ideal uma equiparação ao velho continente, mas também da cultura nesta inércia de europeização por tempo de mais. Em 1922 ocorre o nascimento e batizado de uma intelligentsia, como rompimento com a cultura bacharelesca e com a cultura dominante, num movimento de amadurecimento da elite, que viria a se chamar “modernistas”.

Como se sabe, os filhos da oligarquia objetivavam diplomas de instituições estrangeiras, trazendo para o Brasil os moldes culturais “desenvolvidos” da Europa. A luta existia no sentido de acabar com tal domínio sobre o Brasil.

Até este momento, geograficamente se concentravam no Rio de Janeiro os letrados. Quando o resto do país se mostra, através de tenentes que reclamavam do caráter oligárquico e corrupto da república ou quando o jornal “O Estado de S. Paulo” contrata um diagnóstico da educação no estado, é que democratizar o conhecimento passa a ser um objeto de desejo da sociedade. O intelectual começava a se posicionar fora da torre de marfim, mesmo que sem caminho ou posição política, mas havia um chamado.

Duas forças convergem, por necessidade de ambas: o Estado funda o Ministério da Educação e institucionaliza (em parte) os debates sobre como se daria o processo educacional do povo; e as discussões se acirram no meio intelectual. A ação estatal, embora seu discurso fosse pluralista e progressista, era de “apadrinhamento” das correntes que tendiam se radicalizar, o Estado se dizia Novo, reconhecia as novas demandas e buscava se adaptar. Embora a Escola Nova fosse predisposta à autonomia, havia clareza de que nenhuma reforma substancial seria feita sem a participação do Estado.

Entre o acirramento dos debates sobre a educação (1925) e o putch comunista, há a fundação da Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro) e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Inspiradas pela Escola Nova, mas que tomariam rumos bastante diferentes.

As universidades são fundadas com o intuito de qualificar o ensino público e ser núcleo de pesquisas e reflexão. Há também o objetivo “político” na ação de reunir a intelectualidade fisicamente e estimula-la a pensar os problemas nacionais, além de tutorar os aspirantes à elite.
A USP

A Universidade de São Paulo foi criada em 25 de janeiro de 1934 a partir do decreto assinado pelo então governador do estado e Interventor Federal, Armando de Salles Oliveira. Com tal decreto houve uma incorporação pela nova Universidade de instituições de ensino superiores já existentes à época, como a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, o Instituto de Educação e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba. No ato da fundação da USP, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras foi criada vindo a ser instalada no prédio da localizado na rua Maria Antonia, região central da capital paulista.

Talvez o aspecto mais importante do decreto que criou a universidade seja característica de autonomia científica, didática e administrativa que este dava à universidade, já anunciada na Carta de 34, cuja importância está no fato de que tais indicativos são mantidos até hoje. Com a criação da USP, pela primeira vez esteve presente no Brasil a preocupação em formar professores com o intuito de desenvolver pesquisas e o ensino superior. Devido ao fato de não poder contar com um quadro de docentes desenvolvidos no Brasil e também por questões filosóficas, para compor o quadro de professores foram chamados diversos estrangeiros (quase dois terços do total de docentes), principalmente França, Itália e Alemanha, entre os quais se encontravam o renomado antropólogo Claude Lévi-Strauss e um dos maiores intelectuais da Escola dos Annales Fernand Braudel.

“A Faculdade de Filosofia, Ciências e letras, criada em 1934 permaneceria, no geral, voltada ainda para o modelo europeu – francês, notadamente. De qualquer forma a FFCL surgiu na esteira de 1932 e, com o Jornal Estado de S. Paulo, formava as bases do enraizamento cultural e político. “.

A fundação da universidade foi o movimento final do processo iniciado por parte da elite de São Paulo que teve início nos anos vinte. Por fazerem parte de uma nova elite, tais pessoas eram contrárias politicamente às oligarquias do café que até então davam forma às classes sociais mais abastadas de São Paulo. Paradoxalmente, parte dessa burguesia apoiou a fundação da universidade, já que possivelmente ficaria mais “barato” educar seus filhos no pós-29, além de fazerem frente ao governo nacional.

Esse novo grupo, formado em sua maioria por profissionais liberais, se organizavam no jornal O Estado de S. Paulo, de Júlio de Mesquita Filho. Para eles a educação era a grande arma para desestabilizar a sociedade dominada pela República do Café-com-Leite, criando um pensamento baseado “nos mais altos interesses da nação”, dando os direcionamentos à política nacional. Para esses liberais, era dever de São Paulo exercer um “imperialismo benéfico” ao resto do país. Então foi nas matérias do jornal O Estado de S. Paulo que se iniciou uma campanha a favor da criação de uma nova universidade. Tal campanha teve o apoio de pessoas como Fernando de Azevedo e Armando Salles de Oliveira.

A Revolução Constitucionalista de 1932 deu força ao projeto, pois era uma forma de reerguer moralmente o estado de São Paulo. Assim as pessoas mais diretamente ligadas à campanha de criação da universidade enxergaram em Getúlio Vargas em Vargas uma peça-chave na eliminação dessas oligarquias cafeeiras, ou ao menos no seu enfraquecimento político.
A burguesia paulista apresentava um caráter ambíguo neste período: se de um lado havia aqueles que viam em Vargas a supressão política da ala mais conservadora dos próprios paulistas, por outro este grupo tinha posicionamentos ideológicos liberais democráticos.
De modo que se pode considerar primordial aos planos e criação da USP a nomeação, por Vargas, para interventor do estado, Armando Salles de Oliveira que era um dos sócios do jornal O Estado de S. Paulo.

Considerações finais

A autonomia ganha tanto pela descentralização administrativa da educação concedida pela constituição de 1934 quanto pelo poderio econômico de São Paulo, colocou a universidade deste estado em posição mais autônoma, possibilitando inclusive “trair” a intelectualidade nacional, chamando catedráticos de outras partes do mundo, fato que garantiu certa estabilidade para instituição. Os membros da intelligentsia nacional se recolheriam à Universidade do Rio, onde seriam massacrados pela reação governamental ao golpe da Aliança.

É neste momento que o governo define-se centralizador e autoritário, encampando todas as iniciativas esboçadas pelos modernistas, e/ou decorrentes delas, e posteriormente minando a organicidade desse grupo, através da perseguição no Rio de Janeiro.

Em São Paulo não houve espaço para criação legitimamente nacional, por questões estruturais e políticas. Tratava-se de uma escola elitista, voltada para os padrões europeus. Em nenhum momento, mesmo na sua fundação, a USP se caracterizou por ser uma escola que difundisse conhecimento unicamente. O ensino superior dessa instituição foi extremamente benéfico para a formação das elites paulistanas, servindo como uma forma de manter os padrões intelectuais e políticos de controle da sociedade.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A SEMANA EM POUCAS LINHAS

A SEMANA EM POUCAS LINHAS

A crise real – a queda da produção e o conseqüente desemprego – foi a nota predominante da semana que passou. Coincidentemente, também teve início em Poznan, na Polônia, a 14ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, acentuando a necessidade de freiar o consumismo desvairado.
Palavras ao vento.
Mais uma vez na história recente, a crise provocada por banqueiros e especuladores gananciosos não está sendo aproveitada para repensar o modo de produção capitalista, onde o lucro das grandes corporações sempre se sobrepõe às necessidades sociais. Nos EUA já se contabilizam um milhão de desempregados neste 2008. No Brasil, também, as demissões começaram pra valer. Só a Vale do Rio Doce despediu mais de mil e deu férias coletivas para outros cinco mil.

Fora disso, na semana que passou,
assinale-se que as relações
India-Paquistão, como era esperado, pioraram após os atentados em Mumbai. E a secretária de Estado Condoleezza Rice, despendido-se da função, vê, como sempre, a mão da Al-Qaeda nos ataques.
Outro fato marcante da semana foi a revolução dos aeroportos, na Tailândia, conseguindo seu objetivo: derrubar o primeiro ministro Somchai Wongsawat, acusado de corrupção. E, claro, houve a aprovação da medida provisória sacramentando a ajuda do BC aos bancos e o fim da Tribuna da Imprensa nas bancas, depois de 60 anos em circulação.

Sobre Kardec e sua ciência

Apesar de ter meus "dejavus" nunca fui crente no espiristismo, respeito o sincretismo religioso. Mas creio que o Kardecismo é uma modinha oitocentista que pegou, inflando ao vento da belle epoque e ao som de la vien rose.
Quando era adequado todo cavalheiro se dedicar a uma "ciência", quer ela seja real ou não. Sou feliz por ser ateu.
Imagino o Show de horrores que deve ter sido as primeiras sessões espíritas na europa, o abalo que causou a moda nas grandes rodas das boas sociedades europeias.
O "novo culto" que mistura psicologia barata com conceitos bíblicos. Mas uma coisa temos que reconhecer em Kardec, apesar de mistificar ele não amedronta.
O que é religião sem o medo? Talvez por isso a tentativa kardecista de "padronizar" o terreiro de macumba foi tão frustado, mortos não metem medo mas, sim os vivos.
É preciso crucificar diariamente o nazareno, transubstanciar o pão, fazer uso do panóptico para monitorar a multidão colocando as pessoas em estado de alerta.
A terra não é o fim, é somente o meio do caminho, prega os fanáticos alimentados por um fanatismo torpe e sem sentido.
A religião é vilã, mal da civilização.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Obama + Gates + Hillary = Guerra




Quero estar enganado, gostaria de estar engano, mas temo estar certo.

Gates é a continuação, com outro estilo, das guerras preventivas incrementadas por Bush. Hillary parece ser uma repetição de Madeleine Albright, a secretária de Estado de seu marido, incentivadora da tal comunidade internacional, o grupo informal de países poderosos e ricos, decidindo a sorte do mundo inteiro, sem passar sequer pela burocracia do Conselho de Segurança. Aliás, dona Albright está entre as conselheiras do novo presidente.

Quem estiver esperando mudanças com a posse de Obama é melhor tirar o cavalo da chuva ou deixar o carro na garagem. É possível até que o mundo se torne um pouco mais perigoso, sem esquecer que guerras têm sido um bom remédio em tempo de recessão.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A semana do ano?

Dilúvio em Santa Catarina, atentados em Mumbai, na India e, para a crise não ficar de fora, seu aspecto mais cruel: o tsunami de demissões mundo afora. Realmente uma semana que talvez se transforme na maior referência de 2008.

As notícias são de que, até agora, já foram demitidos 170 mil trabalhadores e que só a ArcelorMittal – a maior siderúrgica do mundo – está colocando no olho da rua 9 mil. Nos EUA, com suas fábricas de automóveis superadas, só aptas a produzir os rabos-de-peixe do passado, o vendaval de demissões está apenas começando, mesmo com o festival de bilhões fornecidos pelo governo. Também no Japão, ainda que tenha uma indústria automobilistica moderna, as montadoras estão reduzindo a produção. Na França, a Renault já demitiu 6 mil e a British Telecom, no até então vigoroso ramo das telecomunicações, está colocando na rua 10 mil.

Na China, as fábricas atadas às exportações estão fechando pior que barraca de camelô em dia de batida policial.

E nós perguntamos:

Os trilhões que estão sendo gastos mundo afora para salvar um sistema perverso não seriam melhor aproveitados, por exemplo, na promoção de um novo mundo com jornadas de trabalho reduzidas e melhor distribuição da renda?

Ora, pois, realmente uma pergunta cretina. Não são os que estão por cima que vão dar, serão os que estão por baixo que um dia hão de conquistar.