terça-feira, 27 de novembro de 2012

Os sertões e a missão civilizacional em Euclides da Cunha


 Euclides da Cunha foi bastante influenciado pelas teorias raciais que estavam em voga no final do século XIX e enxergava na questão de Canudos um embate entre a República, representando a civilização, sobre a liderança da raça superior branca, contra o sertanejo, a sub-raça do sertão. O sertanejo era, antes de qualquer coisa, uma raça totalmente adaptada ao seu ambiente geográfico, um Hércules-Quasímodo, que aliava a força/ valentia para desbravar a terra contra uma aparência mirrada e até mesmo tortuosa. Os sertanejos, por serem indivíduos desenvolvidos naquele meio, não possuíam aptidão para se desenvolverem frente ao avanço inerente da máquina civilizatória e por isso os seus destinos seria serem deixados às margens da história universal, compreendida como uma trajetória retilínea, contínua e sem rupturas. Nessa perspectiva destruir Canudos era garantir a inevitabilidade do progresso, o avanço da ciência e da ilustração sobre as raças mestiças e inferiores ao homem branco. Esse pensamento associa o sertanejo a ideologias consideradas inadequadas ao tempo histórico e sua inerente incapacidade intelectual para assimilar conceitos modernos para legitimar o massacre e barbárie perpetrados pela missão civilizatória representada pelo “fardo do homem branco”.  Podemos pensar a barbárie perpetrada em Canudos como aquela feita na época da colonização em que a espada e a cruz dizimaram a família indígena no continente.
A hecatombe contra Canudos causou um grande mal estar para a República instaurada há pouco tempo, revelando o caráter bárbaro de uma civilização que pretendia se mostrar moderna para as nações européias. A visão negativa do Brasil só será revertida na gestão do Barão de Rio Branco na pasta de relações exteriores que por meio da diplomacia mudará os eixos norteadores da política externa do país. Pensar em Canudos é repensar a fronteira entre os “bens nascidos” e aqueles que a margem da civilização procuram uma vida digna, mas são engolidos pela barbárie inerente do sistema.

Brasil, país da ideologia de segunda ordem


            De acordo com o trabalho de Schwarz “as idéias estariam fora de lugar” no Brasil devido a sua inserção de dependência cultural, social e econômica em um panorama global. Esse fato é explicado por uma inversão da teoria marxista de que a estrutura determina a superestrutura: Enquanto no Brasil a estrutura era colonial, agrária e rudimentar a superestrutura seria avançada e liberal, fato que transformaria a ideologia liberal em solo brasileiro em uma ideologia de segundo grau. Os valores do liberalismo seriam readaptados para se adequar a realidade atrasada do Brasil. Atraso que era corroborado pela manutenção de uma sociedade baseada no trabalho escravo e na troca de favores por meio do apadrinhamento feito pelo Senhor latifundiário.

               A intelligentsia brasileira, fortemente vinculada ao Estado, é caracterizada por procurar um conceito que exprima o que seja o Brasil, essa orientação vai se apropriando de debates e explicações de acordo com a época. No final do século XIX e início do XX o debate girava em torno do escravismo, da República, das teorias raciais e do positivismo. Esse fato evidencia que se procurava explicar o Brasil não por meio de uma metodologia ou um pensamento próprio, mas de acordo com o pensamento de vanguarda da Europa e dos EUA. Corrobora o fato de ser uma ideologia de segunda ordem, pois uma vez instalado em solo brasileiro, a intelligentsia se apropria e o adapta para explicar o Brasil de acordo com que se exprima um conhecimento em consonância com o debate externo. Dessa forma elaboramos nosso pensamento, padrões culturais, políticos e econômicos de forma a sermos uma repetição do que é proposto nos centros culturais, apropriando e adaptando o pensamento externo ao nosso contexto sociocultural.  

 


A ética do trabalho na terra do Homem Cordial.


            Raízes do Brasil usa um método que possibilita a reflexão, pois usa uma metodologia que expõe um jogo de oposição e contraste, impedindo o dogmatismo e abre espaço para meditação dialética.
           Nesse aspecto o autor irá apresentar a dicotomia de modelos ideais/puros como os representados pelo trabalho e pela aventura. A ética do trabalho seria um fenômeno como descrito por Weber como uma forma de organização social típica dos países protestantes em que há uma valoração do trabalho, a precedência do interesse de longo prazo sobre o de curto prazo, o controle racional, e a vantagem da cooperação sobre o personalismo. A ética da aventura é representada por um tipo de homem que ignora as fronteiras, que procura a riqueza de rápido alcance, não valora o trabalho e muito menos abstrações mentais por meio da racionalidade.               
            A colonização da América, em contraste com os países protestantes, teria se dado por uma lógica da aventura que não se pautou pela construção de uma sociedade ou matriz econômica capitalista. A lavoura de cana foi uma expressão da exploração aventureira que não primou pela construção de uma civilização agrícola, mas uma apropriação rudimentar do meio que aliada ao trabalho escravo contribuiu para não valorização do trabalho. Essa construção da sociedade brasileira propiciou o surgimento do homem cordial, que é avesso as relações de impessoalidade inerente do Estado moderno, preferindo reduzí-las ao padrão pessoal e afetivo. O homem cordial seria uma negação do modo de vida ascético do protestante, com um espírito contemplativo que gera estranheza a inquietude moral típica dos países protestantes. Esse homem teria então dificuldade de distinguir as relações relativas à esfera pública com as relações inerentes a vida privada. Criou-se, assim, um estado patrimonialista que sofre de uma imobilidade burocrática e se prolonga em esferas que não deveria atuar, sendo institucionalmente frágil e com um modelo democrático questionável.
         Sergio Buarque irá introduzir o conceito de “Nossa Revolução” que mostrará o embate entre as forças que procuram racionalizar o mundo frente à dissolução da nossa herança ibérica, gerando contradições não resolvidas na estrutura social, política e ideológica de nossa cultura. É um embate de forças que começaram com o fim da escravidão, o surgimento da lavoura do café e a crescente urbanização de nossa sociedade. A formação de um espaço público por meio das cidades e a construção de uma matriz econômica capitalista proporciona o enfraquecimento do nosso passado ibérico, condenando o homem cordial ao desaparecimento, e a racionalização da esfera individual, cultural e do Estado e a possível formação da nossa ética do trabalho.