segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

No Natal é só o peru que morre?


                  Todo indivíduo ou sociedade precisa de uma válvula de escape seja essa realizada de forma racional ou não. O Natal é, naturalmente, uma forma cristã de prometer ou, ao menos, criar a ilusão que a partir dessa data todos os problemas encontrarão suas soluções naturais e que a fraternidade vencerá o egoísmo. Mas me pergunto se o Natal é o bastante quando a grande família patriarcal do século XX se depara ou, simplesmente, compreende seu natural desmembramento?
            Questiono-me se essa angustia velada é um fato singular dos grandes núcleos familiares formadas no século XX ou se é o natural de toda família que numerosa demais não encontra espaço para a diferença? É inquestionável que o individualismo do século XXI permite alguns indivíduos emocionalmente saudáveis de se expressarem de forma menos velada e mais autêntica, mas seria essa a causa de um grande mal ou da libertação do indivíduo? Ou seria o Natal uma força tão forte que para continuar a existir faz necessário que as famílias se tornem menos numerosas? Posso estar sendo um grande Ebenezer Scrooge, mas não acredito mais na união inquestionável de parentes que se unem principalmente por vínculos genéticos.
            A morte recente do meu amado avô me mostrou que não era somente o seu ciclo biológico que encontrara seu inexorável fim, mas que toda família foi confrontada com o inusitado fechamento de um ciclo em que os anos dourados ficaram para trás. Nesse dia choramos não só por ele, mas por nós mesmo. Na minha óptica caso a vida fosse escrita em capítulos à sessão reservada a infância, mesmo eu com 22 anos, e todas suas inocentes maravilhas havia chegado a sua conclusão. Não é com alegria que realizo tais fatos, mas é possível ser de outra forma? Talvez seja o simples medo do novo, de não mais viver com eles, mas é ainda possível viver com todos?
            Tudo que a vida nos pede é coragem e, talvez, seja esse o espírito que o Natal do século XXI nos desperte. Coragem para migrar de uma realidade que não exprima o pensamento de uma união incondicionalmente superficial de um núcleo calcado pela biologia para relações mais saudáveis no sentido emocional. É um fato curioso, pois se o Natal antes era a festa da família, hoje é a festa da paciência, em que cada um procura suportar o outro. Em suma, os tempos são outros e o Natal não é o mesmo.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Aos hipócritas morais ou cegos da fé do mercado


         O capitalismo criou maravilhas maiores que as pirâmides egípcias, mas também criou o vencedor pequeno burguês que por muitas vezes é, no mínimo, o idiota de uma moralidade torta, defensor da honra imaginética de um passado distante, se não ilusório. Para haver vencedores se torna inevitável à existência da imagem do perdedor, consumido pela vergonha de não poder consumir não só mercadorias, mas a imagem ideal da própria existência.
Não se criou nenhuma sensação melhor e mais indigna do que a de possuir, no sentido não somente de ser senhor de si, mas possuir a capacidade de controle e de decisão do outro, do menos igual à óptica mercadológica. É nesse sentido que o ser que se considera “um mais igual” pelo status socioeconômico é um grande mal informado do seu status como cidadão. Desconhece que o espaço público deve-se privar pela igualdade moral da lei e não pelo subterfúgio do usual e não menos condenado jeitinho brasileiro. Não espanta o fato de o Brasil possuir tantos idiotas dessa magnitude, uma vez que a ideia do agregado é muito arraigada na cultura, à figura do indivíduo que só existe quando apadrinhada pelo senhor. Em uma sociedade tão desigual como o Brasil ser igual não é uma idéia desejável, ser igual é enfrentar as filas do SUS, ser o meliante de nascimento, o retirante nordestino, o indivíduo pelo qual o Estado se faz cego.
O “vencedor” é a casta na ponta da pirâmide, não tão magnífica como a egípcia, mas a igualmente colossal e socioeconomicamente amoral como a brasileira. O individuo que “vence” o meio não se importa de reproduzi-lo nas suas relações de poder, pois no fundo é tão perdedor como o outro “perdedor” por considerar tal relação como à causa natural de toda uma sociedade e ser, por natureza, seu modo operante.
É nesse sentido que se deve criar uma moralidade renovada que consiga fugir do senso de natureza econômica do direito, que beira ao privilégio. Enquanto existir a desigualdade gritante e amoral haverá os ilusórios vencedores de uma sociedade derrotada pela incapacidade de organização social e cívica e o pior de tudo, haverá defensores do modelo da cordialidade. 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Homeland e o inimigo oculto



            Relutei muito em começar a assistir Homeland e fiquei um pouco surpreso com um relato, no mínimo, pernicioso de como é tratado o terrorismo pela óptica do drama. Não que haja uma forma correta dessa prática, mas que a desinformação é tão perigosa quanto o radicalismo barato.
Trata-se basicamente da desconfiança da lealdade de um soldado que ficou preso na mão de terroristas por oito anos e, pode ser um agente duplo elevado ao status de herói nacional. Toda a dúvida paira a partir de uma agente da CIA que oculta, por sua vez, uma enfermidade mental, provavelmente uma variante da esquizofrenia. É de duvidas sobre duvidas que se desenvolve a série e o medo que o trauma de um novo ato terrorista em solo estadunidense se repita.
A série se revela, assim, um excelente drama psicológico e não poderia ser diferente. Toda a dúvida é a paráfrase perfeita do medo estadunidense. A existência de um inimigo oculto, que não possui face definida, atuando sobre disfarces que arrebatam não só a segurança de um país, mas os baluartes fundadores da nação. Questiono se tal medo deveria ser comercializado na forma de seriado e que não estaria na hora de fazer um balanço da década passada e das perdas humanas e financeiras que causou.
Sem dúvida ainda não há contornos do fim da cruzada no oriente médio, e que o império pode, facilmente, encontrar apoiadores naqueles que temem uma narrativa em que eles próprios contribuíram para a sua construção. O folhetim revela aspectos ainda mais profundos, a agente psicótica não se questiona moralmente se é válido invadir a privacidade de uma família abalada pela guerra em prol de um suposto ataque. É violando os direitos individuais que, caracteristicamente, tornou o estadunidense singular que se baseia a série. Em momentos que se colocam em cheque a segurança estatal é válida a quebra das regras civis, mas o que seria um assunto de segurança e quão dispostos estaria à população para abrir mão dos seus direitos? É perigoso transformar um estado democrático em um estado de segurança em que o medo é o fator fundamental e que norteia a vida cotidiana. A série revela que o público não questiona se é que já questionou tal fato, e que Hollywood não fábrica mais somente sonhos, mas que agora também contribui para que se reproduza o medo.