segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

No Natal é só o peru que morre?


                  Todo indivíduo ou sociedade precisa de uma válvula de escape seja essa realizada de forma racional ou não. O Natal é, naturalmente, uma forma cristã de prometer ou, ao menos, criar a ilusão que a partir dessa data todos os problemas encontrarão suas soluções naturais e que a fraternidade vencerá o egoísmo. Mas me pergunto se o Natal é o bastante quando a grande família patriarcal do século XX se depara ou, simplesmente, compreende seu natural desmembramento?
            Questiono-me se essa angustia velada é um fato singular dos grandes núcleos familiares formadas no século XX ou se é o natural de toda família que numerosa demais não encontra espaço para a diferença? É inquestionável que o individualismo do século XXI permite alguns indivíduos emocionalmente saudáveis de se expressarem de forma menos velada e mais autêntica, mas seria essa a causa de um grande mal ou da libertação do indivíduo? Ou seria o Natal uma força tão forte que para continuar a existir faz necessário que as famílias se tornem menos numerosas? Posso estar sendo um grande Ebenezer Scrooge, mas não acredito mais na união inquestionável de parentes que se unem principalmente por vínculos genéticos.
            A morte recente do meu amado avô me mostrou que não era somente o seu ciclo biológico que encontrara seu inexorável fim, mas que toda família foi confrontada com o inusitado fechamento de um ciclo em que os anos dourados ficaram para trás. Nesse dia choramos não só por ele, mas por nós mesmo. Na minha óptica caso a vida fosse escrita em capítulos à sessão reservada a infância, mesmo eu com 22 anos, e todas suas inocentes maravilhas havia chegado a sua conclusão. Não é com alegria que realizo tais fatos, mas é possível ser de outra forma? Talvez seja o simples medo do novo, de não mais viver com eles, mas é ainda possível viver com todos?
            Tudo que a vida nos pede é coragem e, talvez, seja esse o espírito que o Natal do século XXI nos desperte. Coragem para migrar de uma realidade que não exprima o pensamento de uma união incondicionalmente superficial de um núcleo calcado pela biologia para relações mais saudáveis no sentido emocional. É um fato curioso, pois se o Natal antes era a festa da família, hoje é a festa da paciência, em que cada um procura suportar o outro. Em suma, os tempos são outros e o Natal não é o mesmo.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Aos hipócritas morais ou cegos da fé do mercado


         O capitalismo criou maravilhas maiores que as pirâmides egípcias, mas também criou o vencedor pequeno burguês que por muitas vezes é, no mínimo, o idiota de uma moralidade torta, defensor da honra imaginética de um passado distante, se não ilusório. Para haver vencedores se torna inevitável à existência da imagem do perdedor, consumido pela vergonha de não poder consumir não só mercadorias, mas a imagem ideal da própria existência.
Não se criou nenhuma sensação melhor e mais indigna do que a de possuir, no sentido não somente de ser senhor de si, mas possuir a capacidade de controle e de decisão do outro, do menos igual à óptica mercadológica. É nesse sentido que o ser que se considera “um mais igual” pelo status socioeconômico é um grande mal informado do seu status como cidadão. Desconhece que o espaço público deve-se privar pela igualdade moral da lei e não pelo subterfúgio do usual e não menos condenado jeitinho brasileiro. Não espanta o fato de o Brasil possuir tantos idiotas dessa magnitude, uma vez que a ideia do agregado é muito arraigada na cultura, à figura do indivíduo que só existe quando apadrinhada pelo senhor. Em uma sociedade tão desigual como o Brasil ser igual não é uma idéia desejável, ser igual é enfrentar as filas do SUS, ser o meliante de nascimento, o retirante nordestino, o indivíduo pelo qual o Estado se faz cego.
O “vencedor” é a casta na ponta da pirâmide, não tão magnífica como a egípcia, mas a igualmente colossal e socioeconomicamente amoral como a brasileira. O individuo que “vence” o meio não se importa de reproduzi-lo nas suas relações de poder, pois no fundo é tão perdedor como o outro “perdedor” por considerar tal relação como à causa natural de toda uma sociedade e ser, por natureza, seu modo operante.
É nesse sentido que se deve criar uma moralidade renovada que consiga fugir do senso de natureza econômica do direito, que beira ao privilégio. Enquanto existir a desigualdade gritante e amoral haverá os ilusórios vencedores de uma sociedade derrotada pela incapacidade de organização social e cívica e o pior de tudo, haverá defensores do modelo da cordialidade. 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Homeland e o inimigo oculto



            Relutei muito em começar a assistir Homeland e fiquei um pouco surpreso com um relato, no mínimo, pernicioso de como é tratado o terrorismo pela óptica do drama. Não que haja uma forma correta dessa prática, mas que a desinformação é tão perigosa quanto o radicalismo barato.
Trata-se basicamente da desconfiança da lealdade de um soldado que ficou preso na mão de terroristas por oito anos e, pode ser um agente duplo elevado ao status de herói nacional. Toda a dúvida paira a partir de uma agente da CIA que oculta, por sua vez, uma enfermidade mental, provavelmente uma variante da esquizofrenia. É de duvidas sobre duvidas que se desenvolve a série e o medo que o trauma de um novo ato terrorista em solo estadunidense se repita.
A série se revela, assim, um excelente drama psicológico e não poderia ser diferente. Toda a dúvida é a paráfrase perfeita do medo estadunidense. A existência de um inimigo oculto, que não possui face definida, atuando sobre disfarces que arrebatam não só a segurança de um país, mas os baluartes fundadores da nação. Questiono se tal medo deveria ser comercializado na forma de seriado e que não estaria na hora de fazer um balanço da década passada e das perdas humanas e financeiras que causou.
Sem dúvida ainda não há contornos do fim da cruzada no oriente médio, e que o império pode, facilmente, encontrar apoiadores naqueles que temem uma narrativa em que eles próprios contribuíram para a sua construção. O folhetim revela aspectos ainda mais profundos, a agente psicótica não se questiona moralmente se é válido invadir a privacidade de uma família abalada pela guerra em prol de um suposto ataque. É violando os direitos individuais que, caracteristicamente, tornou o estadunidense singular que se baseia a série. Em momentos que se colocam em cheque a segurança estatal é válida a quebra das regras civis, mas o que seria um assunto de segurança e quão dispostos estaria à população para abrir mão dos seus direitos? É perigoso transformar um estado democrático em um estado de segurança em que o medo é o fator fundamental e que norteia a vida cotidiana. A série revela que o público não questiona se é que já questionou tal fato, e que Hollywood não fábrica mais somente sonhos, mas que agora também contribui para que se reproduza o medo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Os sertões e a missão civilizacional em Euclides da Cunha


 Euclides da Cunha foi bastante influenciado pelas teorias raciais que estavam em voga no final do século XIX e enxergava na questão de Canudos um embate entre a República, representando a civilização, sobre a liderança da raça superior branca, contra o sertanejo, a sub-raça do sertão. O sertanejo era, antes de qualquer coisa, uma raça totalmente adaptada ao seu ambiente geográfico, um Hércules-Quasímodo, que aliava a força/ valentia para desbravar a terra contra uma aparência mirrada e até mesmo tortuosa. Os sertanejos, por serem indivíduos desenvolvidos naquele meio, não possuíam aptidão para se desenvolverem frente ao avanço inerente da máquina civilizatória e por isso os seus destinos seria serem deixados às margens da história universal, compreendida como uma trajetória retilínea, contínua e sem rupturas. Nessa perspectiva destruir Canudos era garantir a inevitabilidade do progresso, o avanço da ciência e da ilustração sobre as raças mestiças e inferiores ao homem branco. Esse pensamento associa o sertanejo a ideologias consideradas inadequadas ao tempo histórico e sua inerente incapacidade intelectual para assimilar conceitos modernos para legitimar o massacre e barbárie perpetrados pela missão civilizatória representada pelo “fardo do homem branco”.  Podemos pensar a barbárie perpetrada em Canudos como aquela feita na época da colonização em que a espada e a cruz dizimaram a família indígena no continente.
A hecatombe contra Canudos causou um grande mal estar para a República instaurada há pouco tempo, revelando o caráter bárbaro de uma civilização que pretendia se mostrar moderna para as nações européias. A visão negativa do Brasil só será revertida na gestão do Barão de Rio Branco na pasta de relações exteriores que por meio da diplomacia mudará os eixos norteadores da política externa do país. Pensar em Canudos é repensar a fronteira entre os “bens nascidos” e aqueles que a margem da civilização procuram uma vida digna, mas são engolidos pela barbárie inerente do sistema.

Brasil, país da ideologia de segunda ordem


            De acordo com o trabalho de Schwarz “as idéias estariam fora de lugar” no Brasil devido a sua inserção de dependência cultural, social e econômica em um panorama global. Esse fato é explicado por uma inversão da teoria marxista de que a estrutura determina a superestrutura: Enquanto no Brasil a estrutura era colonial, agrária e rudimentar a superestrutura seria avançada e liberal, fato que transformaria a ideologia liberal em solo brasileiro em uma ideologia de segundo grau. Os valores do liberalismo seriam readaptados para se adequar a realidade atrasada do Brasil. Atraso que era corroborado pela manutenção de uma sociedade baseada no trabalho escravo e na troca de favores por meio do apadrinhamento feito pelo Senhor latifundiário.

               A intelligentsia brasileira, fortemente vinculada ao Estado, é caracterizada por procurar um conceito que exprima o que seja o Brasil, essa orientação vai se apropriando de debates e explicações de acordo com a época. No final do século XIX e início do XX o debate girava em torno do escravismo, da República, das teorias raciais e do positivismo. Esse fato evidencia que se procurava explicar o Brasil não por meio de uma metodologia ou um pensamento próprio, mas de acordo com o pensamento de vanguarda da Europa e dos EUA. Corrobora o fato de ser uma ideologia de segunda ordem, pois uma vez instalado em solo brasileiro, a intelligentsia se apropria e o adapta para explicar o Brasil de acordo com que se exprima um conhecimento em consonância com o debate externo. Dessa forma elaboramos nosso pensamento, padrões culturais, políticos e econômicos de forma a sermos uma repetição do que é proposto nos centros culturais, apropriando e adaptando o pensamento externo ao nosso contexto sociocultural.  

 


A ética do trabalho na terra do Homem Cordial.


            Raízes do Brasil usa um método que possibilita a reflexão, pois usa uma metodologia que expõe um jogo de oposição e contraste, impedindo o dogmatismo e abre espaço para meditação dialética.
           Nesse aspecto o autor irá apresentar a dicotomia de modelos ideais/puros como os representados pelo trabalho e pela aventura. A ética do trabalho seria um fenômeno como descrito por Weber como uma forma de organização social típica dos países protestantes em que há uma valoração do trabalho, a precedência do interesse de longo prazo sobre o de curto prazo, o controle racional, e a vantagem da cooperação sobre o personalismo. A ética da aventura é representada por um tipo de homem que ignora as fronteiras, que procura a riqueza de rápido alcance, não valora o trabalho e muito menos abstrações mentais por meio da racionalidade.               
            A colonização da América, em contraste com os países protestantes, teria se dado por uma lógica da aventura que não se pautou pela construção de uma sociedade ou matriz econômica capitalista. A lavoura de cana foi uma expressão da exploração aventureira que não primou pela construção de uma civilização agrícola, mas uma apropriação rudimentar do meio que aliada ao trabalho escravo contribuiu para não valorização do trabalho. Essa construção da sociedade brasileira propiciou o surgimento do homem cordial, que é avesso as relações de impessoalidade inerente do Estado moderno, preferindo reduzí-las ao padrão pessoal e afetivo. O homem cordial seria uma negação do modo de vida ascético do protestante, com um espírito contemplativo que gera estranheza a inquietude moral típica dos países protestantes. Esse homem teria então dificuldade de distinguir as relações relativas à esfera pública com as relações inerentes a vida privada. Criou-se, assim, um estado patrimonialista que sofre de uma imobilidade burocrática e se prolonga em esferas que não deveria atuar, sendo institucionalmente frágil e com um modelo democrático questionável.
         Sergio Buarque irá introduzir o conceito de “Nossa Revolução” que mostrará o embate entre as forças que procuram racionalizar o mundo frente à dissolução da nossa herança ibérica, gerando contradições não resolvidas na estrutura social, política e ideológica de nossa cultura. É um embate de forças que começaram com o fim da escravidão, o surgimento da lavoura do café e a crescente urbanização de nossa sociedade. A formação de um espaço público por meio das cidades e a construção de uma matriz econômica capitalista proporciona o enfraquecimento do nosso passado ibérico, condenando o homem cordial ao desaparecimento, e a racionalização da esfera individual, cultural e do Estado e a possível formação da nossa ética do trabalho.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


Até logo, Vô Dominguinho
            A vida é um fenômeno que reserva para si um misto de deslumbramento e ao mesmo tempo de medo do que a sombra do futuro nos reserva ao longo do seu caminho. Fenômeno ainda mais raro é a vida de um ser que viveu uma vida tão plena, plena no carinho, plena no auxílio ao próximo, plena na retidão de caráter. Plenitude que não só transmitiu como irradiou em um amor de uma pureza paterna tão leve, desprovida de egoísmo que mesmo na altura final da sua vida não poupou elogios as enfermeiras que o auxiliava no leito.                                                                 Despedi do meu avô com o prazer de fechar os olhos e não recordar de uma mínima lembrança negativa. Memórias de uma meninice repletas de abraços ao acordar nas manhãs de férias e dar o primeiro abraço do dia no vô. Memórias da minha fase difícil que encontrei em sua casa o alento para seguir em frente e não só conseguir fazer as pazes comigo mesmo, mas compreender que o amor que ele tinha com a sua mamãe deveria ser o amor que eu deveria ter com a minha. Fui ainda mais feliz ao ter certeza que teria sempre a Vó, Tia Nerinha e a Tia como os tutores da minha jornada. Na fase adulta o carinho talvez tenha mudado um pouco seus pólos e percebi que era eu que deveria cultivar um carinho com certa necessidade de cautela e proteção por ele, e o amei mais.
            Na ultima fase da sua vida pude presenciar a lida na padaria e ter a certeza que momentos tristes ou depressivos não faziam parte da sua rotina, tive o prazer de entregar com ele as balas para as sempre meninas bonitas da cidade, mesmo que já não tão moças ou meninas em idade. Talvez, o único vício que meu avô teve nessa vida foi ao trabalho, mas não foi um ofício que minava suas forças, ao contrário, não tirava de lá somente as bases de seu sustento físico, mas da sua presença humana, do humor sereno e da mente tranqüila. Um exemplo de um humano que chega a velhice e mostra que dignidade quando é conquistada passa ser uma instituição social de um valor tão revigorante e necessário que passa a ser um direito.
            Não quero ao escrever esse texto passar uma idealização da figura do meu avô, e muito ao menos mostrar o tanto que nossa grama era mais verde do que a do vizinho, mas não posso negar que minha meta como ser humano nunca foi algo distante do que meu avô foi em vida. Nossa família sempre teve, tem e terá os mesmo problemas que a dos outros, mas a figura central que acalma os ânimos e desperta o altruísmo em nossas mentes sempre foi ele e por ele.
            Para os momentos tristes eu guardo seu sorriso e amor incondicional a vida como o maior acalento. Sei que não será fácil, mas se tenho uma dívida em vida com ele é a necessidade de manter o sorriso no rosto e a tranqüilidade no peito. Nessa vida superficial, descartávelmente capitalista meu avô não foi ninguém, mas guardo a certeza que não houve ninguém como meu avô.
                                                                                                    João Antônio Nicoli Tavare

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O lado perverso da globalização sobre a visão da obra “O Jardineiro Fiel”


            O filme “O Jardineiro Fiel” mostra a ação diplomática de países ocidentais no mais pobre continente terrestre e as relações econômicas inseridas dentro da atuação diplomática desses países, em especial o da Inglaterra. Fazendo um paralelo com o livro “A sociedade em rede” revela os fluxos de influência que se estabelecem entre as mais variadas regiões do globo e como todo contexto é submetido, ou até mesmo reduzido, a uma realidade ditada por padrões econômicos em que as populações das regiões pobres dessa enorme rede, em especial as africanas, são rebaixadas a categoria de experimentos farmacêuticos por empresas que detém a primazia política e influenciam a atuação dos Estados mais fortes em área frágeis pela mera racionalidade econômica e maximização de ganhos.
            O filme revela que mesmo sobre todo o ufanismo e idéia de melhorias sobre o passado, o espírito da nossa época, sobre o signo de uma globalização radical e até mesmo inevitável, gera ao mundo contradições e problemas que não fogem da realidade passada, em especial ao processo de colonização e rapina por parte das nações ocidentais.
            É nesse contexto que é estabelecido a relação amorosa de um casal composto por um diplomata inglês com uma ativista social, desenrolando uma historia que nos instiga a pensar qual é o papel do ser humano frente à degradação física, cultural e moral da população de um continente empobrecido por um passado histórico marcado pelas chagas da máquina colonizadora européia, doenças tropicais e rapina das elites nacionais e de grupos insurgentes. É possível que em uma época em que a “rede” nos proporciona informações a um nível instantâneo com a capacidade das mais variadas fontes e opiniões seja possível ao homem ser inteiramente condicionado a própria estrutura dessa “rede”? A personagem Tessa é prova da capacidade dessa mesma “rede” em produzir indivíduos com capacidade de questionamento intelectual que vão além do que a grande mídia nos proporciona:


 - Tessa distinguia absolutamente entre a dor observada e a dor compartilhada. A dor observada é a dor jornalística. É a dor da televisão e passa assim que você desliga o abominável aparelho. Aqueles que observam e nada fazem a respeito, na visão dela, não era nada melhores do que aqueles que a infligiam. Eram os maus samaritanos. (LE CARRÉ, 2006, P.150)

            A capacidade de Tessa em não se adequar aos padrões que a realidade diplomática impunha e questionar a atuação dessas missões bem como o de empresas farmacêuticas nos leva ao questionamento, até que ponto os fins justificam os meios? Não se questiona a obtenção dos lucros, mas é possível ser conivente com a exploração de seres humanos de forma tão brutal e terrível? O filme torna evidente que os próprios Estados não cumprem os compromissos que ratificaram na própria carta da ONU, uma vez que apóiam a atuação de empresas de forma a violarem a própria carta dos direitos universais do homem.
            Essa rede transnacional de informação e intercâmbio cultual gera sua própria rede de excluídos, uma vez que grande parte da população dos países pobres não tem acesso às facilidades decorrentes da vida globalizada e do livre mercado. São esses mesmos seres marginalizados do processo que sofrem todas as implicações negativas decorrentes da rede, pois uma vez que são interligados todos os setores da sociedade, a parte corrupta e ilegal torna-se constituinte dessa “malha” de relações. É nesse contexto que a população carente da África torna-se cobaia de experimentos farmacêuticos de grandes corporações sem ao menos saber que estão sendo tratados por medicamentos experimentais, pois são considerados seres descartáveis por esses grupos que concentram uma grande capacidade econômica e política.


- Tessa acreditava que a busca irresponsável de lucro pelas corporações estava destruindo o globo e o mundo emergente em particular. À guisa de investimento, o capital do Ocidente arruinava o mio ambiente nativo e favorecia a ascensão das cleptocracias. Esse era o argumento dela. Dificilmente chega a ser radical nos dias de hoje. Já ouvi amplamente discutido nos corredores da comunidade internacional. Até mesmo em minha própria comissão. (LE CARRÉ, 2006, P.163)  


            Esses questionamentos levaram a personagem Tessa a um trágico destino desencadeando sua morte, aparentemente ocasionada por criminosos comuns, mas que, na verdade, havia sido encomendada pelos setores sociais que sua pesquisa procurava incriminar devido o abuso a população africana. Esse fato torna evidente que a corrupção esta de uma maneira tão arraigada nas estruturas dessa “rede” que os indivíduos que vão contra a postura ou ação considerada adequada são eliminados desse processo. Apesar de ser inglesa e rica, Tessa questionou a ordem vigente e obteve o mesmo destino que a população africana usuária dos medicamentos, uma morte nebulosa e sem explicação aparente.
            A morte brutal de sua esposa faz com que Justin Quayle procure uma resposta a todos os fatos ocorridos e se depara com uma realidade perversa, em que a morte da sua esposa foi um fato racional dentro de um sistema de interesses calcados no lucro sem a mínima preocupação com o caráter humano de toda a realidade em volta.
Quayle inicia uma investigação própria para recuperar a memória da sua falecida esposa e encontra uma rede de interesses por de trás de toda missa diplomática inglesa em território africano em que a população é transformada em mercadoria para a maximização de ganhos. Por questionar a realidade vigente o próprio diplomata perde todo seu prestigio dentro de sua própria sociedade e passa a viajar com um passaporte falso para não acionar as próprias pessoas para quem trabalhava. É importante destacar que essa rede de informações, ao conectar o mundo em um mesmo sistema, classifica o individuo ao seu bel prazer, tornando, em questão de segundos, uma figura social importante em um foragido.
            Todas as relações de poder e corrupção que Tessa investigava tornam-se clara e Justin percebe o ato de coragem de sua mulher ao questionar toda a trama de interesses que se deitavam sobre a suposta ação humanitária de uma empresa farmacêutica em solo africano. Torna-se claro também toda a conspiração feita sobre a figura de sua mulher para que seu marido não só questionasse seu trabalho humanitário, mas também sua fidelidade conjugal. O personagem de Justin ao descobrir todo esse processo é tomado por uma grande melancolia ao realizar que sua mulher e filho haviam sido mortos por um sistema em que ele não só estava inserido, mas ingenuamente defendia. Até mesmo o produto que utilizava para cultivar seu jardim era produzido pela empresa que havia dado fim a sua família. Talvez, em um ato de coragem ou desespero, o até então diplomata inglês decide abandonar o avião que o levaria para fora da África e decide morrer em um lugar deserto, desiludido pela própria realidade perversa que havia descoberto.
            O filme deixa claro que essa “rede” proposta pelo livro “A sociedade em rede” é um fenômeno fruto dos avanços tecnológico e da financeirização da economia como um fator que engloba todos os mercados mundiais. É uma estrutura que determina o comportamento do indivíduo, mas questionamos até que ponto podemos permitir que os fluxos de interesses e poder ditem as regras de nossas sociedades enquanto assistimos a tudo sem o menor questionamento? Não devemos permitir que essa rede transforme o ser humano no simples homem econômico, sujeito às flutuações do capital e aos interesses de grandes corporações econômicas. É preciso criar uma noção de social nessa “rede” e mostrar o lado cruel que essa realidade vem proporcionando aos indivíduos que não estão inseridos nesse contexto. Apesar de ser uma obra de ficção o poder das grandes corporações é um fenômeno que deve ser discutido, bem como se pensar até que ponto o desenvolvimento de uma civilização pode comprometer a vida de outros povos.


Referências Bibliográficas


CASTELLS, Manuel. A SOCIEDADE EM REDE. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

Lé Carré, John. O Jardineiro Fiel. 4º Ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

O Jardineiro Fiel. Direção de Fernando Meirelles

Sem, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.

domingo, 11 de março de 2012

A intolerância cristã revestida de intolerância ao credo




Cara igreja não me venha com o falso moralismo que a retirada do símbolo cristão em repartições públicas é uma medida antidemocrática. A meu ver é sinal saudável que o Estado não faz mais a justiça moral de um deus, mas que, ao contrário, respeita a pluralidade do seu povo e não destaca nenhum credo sobre o outro em lugares que deve prezar não pelo vinculo religioso, mas pelo cumprimento da regra de um Estado democrático de direito.
Sobre o pretexto de cristianofobia que a civilização ocidental vem desenvolvendo a Igreja Católica se baseia em  uma grande  inverdade, devemos lembrar que o fato de não ser cristão não é condição para que a palavra de Cristo caia em desuso, o fato de não sermos mais um rebanho uniforme de ovelhas é sinal que a livre manifestação de credo e o intercâmbio cultural é característica de uma sociedade inserida em um panorama global maior que a disputa de instituições religiosas por crentes. O direito de desenvolver e assimilar conceitos que estão fora da filosofia da nossa cultura são um marco da civilização, o próprio Cristo foi um judeu que viveu sobre a pesada sombra do império romano, sendo posteriormente conduzido ao status de deus por essa civilização.
Dizer que a proposta do grupo de lésbica é uma medida antidemocrática é sinal que a Igreja não se acostumou com o seu lugar, no mesmo patamar com os outros credos, não podemos e nem devemos pensar que por constituir maioria somos passíveis de decisões unilaterais. Não há motivo para que a justiça agracie somente cristãos com seu símbolo religioso nas repartições públicas, o povo brasileiro é um conceito plural que abriga diferentes credos, filosofias e práticas. Não são as lésbicas é muito menos Cristo que não aceitam o homossexualismo, é a igreja católica que baseada em dogmas afirma uma medida preconceituosa contra uma parcela da população que tem os mesmos direitos e deveres abrigados sobre o seio da República. Essa alegação da Igreja é um exemplo de intolerância que a meu ver é reflexivo, uma vez que alega um abuso de uma parcela minoritária da população, mas acaba por ela própria cometer o abuso ao tentar legitimar a acusação por dois fatores: O fato de a população ser majoritariamente cristão não dá ao crucifixo o respaldo legal para continuar nas repartições públicas, fato que tenta suprimir o direito da minoria e legitimar o privilégio da maioria de ostentar símbolo religioso nas paredes de repartições públicas. Constitui abuso ao passo que ao se dizer representante da maioria tenta legitimar o não direito da minoria em fazer uso do seu direito assegurado pela lei e ainda, por ser representante da maioria tem o respaldo legal para legislar por esse grupo. É abuso por dizer que uma ação legal de uma minoria é ilegal por não agradar um credo.
O maior ensinamento de Cristo foi: "Amai-vos uns aos outros como a ti mesmo". As palavras do nazareno explicitam que em uma sociedade o homem devem se enxergar homem no semelhante e não esperar que o direito de um seja diferente do outro. Ser maioria não nos classifica como sendo “mais iguais” que os outros perante a lei, mas que estamos em uma sociedade calcada em direitos e valores iguais. A laicidade do Estado é símbolo máximo que podemos abrigar as mais variadas matizes de credo no seio da nossa sociedade, ir contra esse fato é tentar legitimar o privilégio, o racismo, a xenofobia e, por último, a desintegração social de um povo diverso.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O mártire cristão do Ocidente e a construção do inimigo



Não vamos transformar a condenação de um cristão na nação persa como um embate entre civilizações como deseja a mídia tendenciosa. É, sim, um desrespeito aos direitos humanos, cuja carta o Irã é signatário. Mas não podemos deixar de relacionar a emergência desse fato com a questão da imagem do Irã perante o ocidente estar completamente desmoralizada e passível de intervenção militar. A condenação dos apóstatas, aqueles que eram islâmicos e se convertem para outras religiões, caiu como uma luva para os setores que temem a construção de um arsenal nuclear por um país não alinhado, desequilibrando diretamente a balança de poder de umas das áreas mais instáveis do mundo.
O Islã e a sharia não perseguem, necessariamente, civis pelo simples fato de possuírem outro credo religioso. Sendo a liberdade de crença um princípio básico do direito islâmico. Um exemplo disso é o fato de cristãos, judeus e islâmicos terem vivido em paz durante séculos em Jerusalém sob o domínio do Império Otomano. Contudo, um dos maiores crimes para o islamismo é renegar a fé. Os apóstatas sofrem ostracismo e às vezes até a pena de morte. A meu ver é uma clara violação ao direito internacional dos direitos humanos, em especial ao art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao art. 18 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. O Irã é signatário de ambas, mas não podemos permitir que esse fato seja usado para arrebatar opiniões contrárias sobre a ordem interna de uma país soberano e muito menos que esse fato seja, de certa forma, um subterfúgio para legitimar a guerra.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Por que o Deus bíblico se oculta nas sombras?


Afirmo de inicio que escrevo esse artigo não para provar a existência do Deus bíblico, mas para descrever a razão pelo qual, caso ele exista, nunca se pronunciou diretamente e nem o fará.
Se deus se revela-se ao homem, não haveria, de primeira mão, a civilização. A maior realização mundana do homem teria sido um pequeno altar de pedras para a adoração DELE e nunca se realizaria nenhuma proeza tecnológica e muito menos científica. Seriamos eternamente condenados a nos alimentar somente de restos dos sacrifícios, de padecer de doenças e infecções banais e o maior ensinamento serio o culto ao olho de fogo que tudo vê e tudo sabe.
Caso ao olharmos para o céu nos deparássemos com o rosto ditatorial  rodeado de arcanjos com lâminas de fogo, o homem teria tamanho medo que não precisaríamos construir o leviatã de Hobbes, o egoísmo do homem já teria sido consumido pela subserviência e adoração do Senhor dos Céus e da Terra.
Seríamos uma orda de lacaios marchando pela superfície terrestre sobre a mercê dos desejos divinos, esperando que um dia nossas preces fossem atendidas. Embora o problema do egoísmo humano já houvesse sido contornado pela presença do Senhor, ainda não seríamos capazes de fazer nada que nos fosse desejável, uma vez que os homens encarregariam de fazer todo o possível para que ninguém atraísse a ira dos céus, portanto cada um se encarregaria de controlar o outro. Não seria permitido domar o intemperismo natural, pois o homem só aceitaria para si o espírito de contemplação, o homem não desenvolveria a agricultura e a fome seria uma constante. A entenderíamos com uma provação dos céus e o mais feliz dos homens seria o que ficasse o maior tempo em pé sem comer.
Caso houvesse algo sobre as nuvens nos controlando, o homem não seria homem, seria mais um ser da natureza, lacaio da própria sorte. Não haveria raciocínio, o homem seria apenas mais um animal a vagar faminto sobre os campos sem a esperança de dias melhores

João Antônio Nicoli Tavares

A onda verde está pronta?


Será que a onda verde conseguirá matar o inimigo que ela pouco fala? Como retirar milhões da miséria e ignorância mudando nossa matriz econômica sem comprometer a expansão da classe de consumo? Nossa sociedade é baseada no desperdício, vivemos sobre nosso próprio lixo. Talvez o comunista do seculo XXI será o eco troxa que não vê que para acabar com a exploração excessiva da natureza devemos primeiro mudar a matriz da sociedade. Ao meu ver, enquanto houver sociedade de consumo não se podera falar em crescimento sem dano ao meio ambiente. O mundo que vivemos nao é o mundo natural, mas você conhece alguém que vai deixar o conforto mental e fisico do consumismo para pensar, sem nenhum benefício imediato, na natureza e no meio ambiente? O movimento verde ainda engatinha e não compreendeu que o homem é egoísta e não divide e poupa um bem público se não for ensinado e incentivado a isso. O meio ambiente precisa de uma legislação dura que puna exemplarmente o agressor, devemos mudar a idéia que os leitos de rio, a atmosfera e o solo por serem bens universais não são inesgotáveis. Já pensou se caso a atmosfera fosse particular a fiscalização seria muito mais efetiva? Mas não é megalomaníaco demais pensar que alguém consiga administrar e ter a propriedade do ar? Talvez não, se criássemos instituições efetivas que gerenciasse bens privados de uso universal. O mundo inteiro usa o facebook, o usamos como um meio público, mas há quem aufere lucro sobre nossa atividade. Até para ligar o reator de uma fábrica deveriamos pagar a taxa de poluição que causamos, apesar do bem ser universal eu nao posso comprometer o uso do outro. Qualquer bem industrializado que é vendido no mercado possui direitos autorais em benefício de quem foi responsável pela idealização e produção, deveria ser criado, baseado nesse princípio, o direito pela utilização e degradação de um recurso universal que não é voltado para o consumo de subsistência ou que tire o recurso natural do ciclo da natureza. Não quero com isso taxar pessoas que vivem e retiram seus recursos somente para a subsistência e que, portanto não auferem lucro e nem conseguem uma degradação de grande escala, mas taxar grandes corporações industriais para que o dano causado possa ser revertido, em alguma escala, para a renovação ou preservação do bem.