segunda-feira, 30 de abril de 2007

Entrevista Fidel Castro

"Tentaram fuzilar Chavez, mas o pelotão se negou a disparar".



No livro Fidel Castro, biografia a Duas Vozes, publicado pela editora Debate, o presidente cubano revela momentos cruciais vividos pelo presidente da Venezuela Hugo Chavez durante a tentativa de golpe em 2002. Em entrevista a Ignácio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, Castro afirma que telefonou para o palácio Miraflores antes de Chavez se entregar e lhe disse: "não te enfraqueça Hugo; não faça como Allende, que era um homem só. Tu tem uma grande parte do exercito, não renuncies".

O presidente cubano revela que fez contato com "um general venezuelano" para insistir que o mundo sabia que o presidente Chavez não tinha renunciado e que enviasse forças para regatá-lo. "Eu quase não dormi nestes dias em que durou o golpe em Caracas, porem valeu a pena ver como um povo e também uns militares patriotas defendem a legalidade. Não se repetiu a tragédia do Chile em 1973", assegura Castro.

Leia a entrevista completa de Fidel:



Você disse que sente grande admiração por Hugo Chavez, presidente da Venezuela?

Bom, sim, aí temos um outro índio Hugo Chavez, um novo índio, como ele diz, "um índio mesclado", mestiço, ele disse que é um índio com um pouco de branco. Porem você esta olhando para Chavez e vê um autentico filho da Venezuela, um filho da Venezuela que é feita de mescla, porem tem todas estas nobres características e um talento excepcional, muito excepcional.

Eu gosto de escutar seus discursos, de como ele se sente orgulhoso de sua origem humilde, de sua etnia mesclada, onde tem de tudo um pouco principalmente dos escravos trazidos da áfrica, mesclados com índio. Essa é a impressão. Pode ser que tenha alguns genes de branco, e isso não é ruim, a combinação sempre é boa, enriquece a humanidade, a combinação das chamadas etnias.



Você seguiu passo a passo à evolução da situação na Venezuela em particular as tentativas de desestabilização contra o presidente Chavez?

Sim, seguimos com muita atenção os acontecimentos. Chavez nos visitou quando saiu da prisão antes das eleições de 1998. Ele foi muito valente, pois reprovaram a sua viagem a Cuba.

Veio e conversamos. Descobrimos um homem culto, inteligente, muito progressista, um autêntico bolivariano. Logo ganhou as eleições.Varias vezes. Mudou a Constituição com um formidável apoio do povo, das pessoas mais humildes. Os adversários têm tentado asfixiá-lo economicamente.

Da Venezuela, nos quarenta famosos anos da democracia que antecedeu Chavez, eu calculo que devem ser por volta de 200 bilhões de dólares que roubaram. Venezuela podia estar mais industrializada que a Suécia e ter também a educação que existe na Suécia, se tivesse existido uma democracia distributiva se os mecanismos estivessem funcionado, se tivesse algo de certo e de palpável nesta demagogia e em toda essa publicidade.

Desde que Chavez chegou ao governo, o poder foi estabelecido pelo controle das mudanças em janeiro de 2003, calculamos em 30 bilhões de dólares de fuga de capital. Então todos estes fenômenos, como nos imaginamos, são insustentáveis em nosso hemisfério.



Em 11 de abril de 2002, houve um golpe de Estado em Caracas contra Chavez, você acompanhou estes acontecimentos?

Quando nós nos enteramos de que aquela manifestação da oposição teria sido desviada e tinham cercado o palácio Miraflores, que existiam provocações, os tiros, as vitimas, que alguns dos altos oficiais haviam se amotinado e pronunciado publicamente contra o presidente, e que a guarda presidencial havia se retirado, e que o exercito ia vir prendê-lo, eu liguei para Chavez por que sei que ele estava indefeso e que e que é um homem de princípios e lhe disse: "não te enfraqueça, Hugo!" "Não faça como Allende que era um homem sozinho, não tinha um soldado".

"Você tem uma grande parte do exercito. Não renuncie!".



Você estava orientando-o a resistir com as armas na mão?

Não, ao contrario. Isso foi o que fez Allende e pagou heroicamente com a sua vida. Chavez tinha três soluções: manter-se em trincheiras no palácio de Miraflores e resistir ate a morte; fazer um chamado ao povo para a sua insurreição e desencadear uma guerra civil, ou se render porem sem renunciar.

Nos o aconselhamos a optar pela terceira.

Que foi o que ele também havia decidido fazer. Porque, alem do mais, a historia nos ensina que todo dirigente popular que sofre um golpe de Estado, se não o matam, mais cedo ou mais tarde o povo pede a sua volta e ele acaba regressando ao poder.



Vocês neste momento trataram de ajudar Chavez de alguma maneira?

Bom, nós somente podíamos ajudar usando os recursos da diplomacia. Convocamos em plena noite todos os embaixadores credenciados em Havana e lhes propusemos que acompanhassem Felipe (Perez Roque), nosso ministro das Relações Exteriores, a Caracas para resgatar Chavez, presidente legítimo da Venezuela.

Propusemos mandar dois aviões para trazê-lo, caso os golpistas decidissem mandar Chavez para o exílio. Ele tinha sido feito prisioneiro pelos militares golpistas e ninguém sabia onde estava. A televisão difundia a noticia de sua renuncia para desestabilizar seus partidários e o povo.

Porem em um momento eles permitiram que Chavez fizesse uma chamada telefônica, e pode então falar com sua filha Maria Gabriela. E lhe disse que não tinha renunciado. Que era um "presidente aprisionado".

E lhe pediu que ela difundisse esta noticia. A filha teve então a ousada idéia de me telefonar e me informar. E me afirma que seu pai não renunciou.

Nós então decidimos assumir a defesa da democracia venezuelana, já que tínhamos a certeza de que paises como Estados Unidos e Espanha (no governo de Jose Maria Aznar) que tanto falam de democracia e tanto criticam Cuba, estavam apoiando o golpe de Estado.

Pedimos então a Maria Gabriela que repetisse e gravamos a conversa dela com Randy Alonso, o apresentador do programa mesa redonda da televisão cubana, que teve uma grande repercussão internacional.

E alem do mais convocamos toda imprensa estrangeira credenciada em Cuba, e devia ser mais ou menos quatro da madrugada, e lhes informamos e também colocamos o testemunho da filha de Chavez. Imediatamente, a CNN o transmitiu e em toda a Venezuela a noticia foi difundida como rastro de pólvora.



Que conseqüência teve?

Bom isso foi ouvido pelos militares fiéis a Chavez, que haviam sido enganados com a mentira da renuncia, então foi feito um contato com um general que estava a favor de Chavez. Eu falei com ele por telefone. Confirmei pessoalmente que o que a filha de Chavez disse era verdade e que o mundo inteiro já sabia que Chavez não renunciou. Falei longamente com ele pedi que me informasse que oficiais estavam com Chavez e quem não estava. Eu entendi que a situação não estava perdida, porque as melhores unidades das Forças Armadas, as mais combativas e mais bem treinadas estavam a favor de Chavez.

E disse a este oficial que o mais urgente era saber onde Chavez se encontrava detido e enviar forças leais para resgatá-lo.

Ele me pediu então que eu falasse com seu superior hierárquico, e me passou o telefone. Repeti-lhe o que a filha de Chavez havia afirmado, e que Chavez continuava sendo o presidente constitucional. Recordou-se da lealdade necessária, e falou de Bolívar da historia da Venezuela... E esse alto oficial, em um ato de patriotismo e fidelidade à constituição, me afirmou que se realmente Chavez não havia renunciado ele continuava fiel ao presidente.



Porem, naquele momento ninguém sabia onde estava Chavez?

Bem Chavez foi conduzido a Ilha de Orchila. E estava incomunicável.

O arcebispo de Caracas, Baltazar Porras, foi vê-lo e aconselha que ele renuncie. "Para evitar uma guerra civil", disse. E faz uma chantagem humanitária. O arcebispo pede que Chavez escreva uma carta dizendo que esta renunciando.

Chavez não sabe o que estava havendo em Caracas nem no restante do país. Já haviam tentado fuzilá-lo, mas o pelotão de soldados encarregados de disparar se negou e ameaçaram a se amotinar. Muitos dos militares que estão mantendo Chavez em custodia estavam dispostos a defendê-lo e evitar que o matem.

Chavez trata de ganhar tempo com o bispo. E faz borrões de uma declaração.

Teme que uma vez a carta escrita, eles o eliminem. Não pensa em renunciar. Declarou que teriam que matá-lo antes. E que não havia uma solução constitucional.



Diante disso, vocês ainda seguiam com a intenção de enviar aviões para resgatar Chavez e levá-lo para o exílio?

Não, depois dessa conversa com os generais venezuelanos, nós mudamos o plano, suspendemos a proposta de enviar Felipe com os embaixadores para Caracas.

Mais em um momento nos chegou o rumor de que os golpistas estavam propondo expulsar Chavez para Cuba. E nós imediatamente anunciamos que se mandassem Chavez para cá, o reenviaríamos para a Venezuela no primeiro avião.



Como Chavez regressou ao poder?

Bom em um momento foi produzido um novo contato com o primeiro general com que havíamos falado e ele me informou que já haviam localizado Chavez e que ele estava na Ilha de Orchila. Conversamos sobre a melhor maneira de resgatá-lo. Com muito respeito lhe aconselhei três coisas fundamentais:

Direção, eficácia e força muito superior. Os pára-quedistas da base de Maracay, a melhor unidade das Forças Armadas, fiel a Chavez se encarregaram do resgate.

Já em Caracas o povo esta mobilizado pedindo a volta de Chavez, a guarda presidencial voltou a ocupar o palácio Miraflores e também exige a volta do presidente.

Procede a expulsão dos golpistas do palácio. E o próprio Pedro Carmona, presidente da patronal e brevíssimo presidente usurpador da Venezuela, quase é arrastado alí mesmo no palácio.

Por fim já na madrugada do dia 14 de abril de 2002, resgatado pelos militares fiéis, Chavez chega ao Palácio Miraflores em meio a uma apoteose popular. Eu quase não dormi nestes dias em que durou o golpe em Caracas, porem valeu a pena ver como um povo e também uns militares patriotas defendem a legalidade. Não se repetiu a tragédia do Chile em 1973.



Chavez é um representante dos militares progressistas, porém na Europa e também na América Latina muitos progressistas não acreditam, pois ele é um militar. Que opinião você tem sobre esta aparente contradição entre o progressismo e o militar?

Olhe, aí temos, na Venezuela, um exercito exercendo um grande papel com esta revolução bolivariana. E Omar Torrijos, no Panamá, foi um exemplo de um militar com consciência. Juan Valesco Alvarado, no Peru também levou adiante algumas ações de progressos notáveis. Não se pode esquecer, por exemplo, que entre os próprios brasileiros, Luis Carlos Prestes foi um oficial que realizou uma marcha em 1924-1926 quase como a que fez Mao Zedong em 1934-1935.

Jorge Amado escreveu sobre a marcha de Luis Carlos Prestes, uma bela historia, O cavaleiro da esperança, entre suas magníficas novelas – eu tive a oportunidade de ler todas. A marcha foi impressionante, durou mais de dois anos e meio, recorrendo imensos territórios de seu país sem sofrer jamais uma derrota. É dizer que houve proezas que saíram dos militares.

Digamos, vou citar um militar do México: Lazaro Cardenas, um general de uma revolução mexicana, que nacionalizou o petróleo. Tem um valor muito grande, fez reformas agrárias e conquistas com o apoio do povo. Quando se fala das conquistas do México não se pode esquecer o papel como o de Lazaro Cardenas, e ele era um homem militar.

Eu não poderia esquecer dos primeiros que no século XX se destacaram na América Latina, nos anos cinqüenta, um grupo de jovens se destacou, eram jovens oficiais guatemaltecos, ao redor de Jacobo Arbenz, que participaram em atividades revolucionarias.

Bem não se pode dizer que é um fenômeno geral, porem existem vários casos de militares progressistas.

Perón na Argentina também era de origem militar, devemos observar no momento em que surge por volta de 1943 o nomeiam ministro do trabalho e fez algumas leis que quando o levam para prisão o povo o resgata. Era um chefe militar.

Também existe um civil que teve influencia dos militares, estudou na Itália, onde também Perón já havia estado, que foi Jorge Eliécer Gaitán, e eram lideres populares.

Perón era da embaixada, esteve em Roma nos anos trinta da era mussoliniana, e algumas das formas e métodos de mobilização de massas que viu deixaram ele impressionado. Teve a influencia inclusive de alguns processos; neste caso Gaitán e Perón utilizaram esta influencia de forma positiva, porque deve se observar que Perón fez reformas sociais. Perón comete um erro: ofender a oligarquia Argentina, a humilhou, e tira da oligarquia o teatro e algumas instituições simbólicas; trabalhou com as reservas e os recursos que tinha no país, e melhorou as condições de vida dos trabalhadores, estes são muito agradecidos e Perón virou um ídolo dos trabalhadores.



Por Ignácio Ramonet

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