quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A criação da USP e a elite paulista

A história da intelligentsia brasileira remonta a militância pelo fim da escravidão dos idos 1870. Sob influencia positivista e liberal, muitos foram os homens de idéia, acadêmicos até, que se embrenharam direta ou indiretamente na política. Esta foi a pedra angular da construção intelectual. Já na virada do século, romancistas denunciavam as chagas da escravidão, despreocupadas pela república em muitos aspectos, num diálogo construtivo com a geração anterior. Outros, na década de vinte, questionavam o aspecto europeizado não só da república, que já trazia em seu ideal uma equiparação ao velho continente, mas também da cultura nesta inércia de europeização por tempo de mais. Em 1922 ocorre o nascimento e batizado de uma intelligentsia, como rompimento com a cultura bacharelesca e com a cultura dominante, num movimento de amadurecimento da elite, que viria a se chamar “modernistas”.

Como se sabe, os filhos da oligarquia objetivavam diplomas de instituições estrangeiras, trazendo para o Brasil os moldes culturais “desenvolvidos” da Europa. A luta existia no sentido de acabar com tal domínio sobre o Brasil.

Até este momento, geograficamente se concentravam no Rio de Janeiro os letrados. Quando o resto do país se mostra, através de tenentes que reclamavam do caráter oligárquico e corrupto da república ou quando o jornal “O Estado de S. Paulo” contrata um diagnóstico da educação no estado, é que democratizar o conhecimento passa a ser um objeto de desejo da sociedade. O intelectual começava a se posicionar fora da torre de marfim, mesmo que sem caminho ou posição política, mas havia um chamado.

Duas forças convergem, por necessidade de ambas: o Estado funda o Ministério da Educação e institucionaliza (em parte) os debates sobre como se daria o processo educacional do povo; e as discussões se acirram no meio intelectual. A ação estatal, embora seu discurso fosse pluralista e progressista, era de “apadrinhamento” das correntes que tendiam se radicalizar, o Estado se dizia Novo, reconhecia as novas demandas e buscava se adaptar. Embora a Escola Nova fosse predisposta à autonomia, havia clareza de que nenhuma reforma substancial seria feita sem a participação do Estado.

Entre o acirramento dos debates sobre a educação (1925) e o putch comunista, há a fundação da Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro) e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Inspiradas pela Escola Nova, mas que tomariam rumos bastante diferentes.

As universidades são fundadas com o intuito de qualificar o ensino público e ser núcleo de pesquisas e reflexão. Há também o objetivo “político” na ação de reunir a intelectualidade fisicamente e estimula-la a pensar os problemas nacionais, além de tutorar os aspirantes à elite.
A USP

A Universidade de São Paulo foi criada em 25 de janeiro de 1934 a partir do decreto assinado pelo então governador do estado e Interventor Federal, Armando de Salles Oliveira. Com tal decreto houve uma incorporação pela nova Universidade de instituições de ensino superiores já existentes à época, como a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, o Instituto de Educação e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba. No ato da fundação da USP, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras foi criada vindo a ser instalada no prédio da localizado na rua Maria Antonia, região central da capital paulista.

Talvez o aspecto mais importante do decreto que criou a universidade seja característica de autonomia científica, didática e administrativa que este dava à universidade, já anunciada na Carta de 34, cuja importância está no fato de que tais indicativos são mantidos até hoje. Com a criação da USP, pela primeira vez esteve presente no Brasil a preocupação em formar professores com o intuito de desenvolver pesquisas e o ensino superior. Devido ao fato de não poder contar com um quadro de docentes desenvolvidos no Brasil e também por questões filosóficas, para compor o quadro de professores foram chamados diversos estrangeiros (quase dois terços do total de docentes), principalmente França, Itália e Alemanha, entre os quais se encontravam o renomado antropólogo Claude Lévi-Strauss e um dos maiores intelectuais da Escola dos Annales Fernand Braudel.

“A Faculdade de Filosofia, Ciências e letras, criada em 1934 permaneceria, no geral, voltada ainda para o modelo europeu – francês, notadamente. De qualquer forma a FFCL surgiu na esteira de 1932 e, com o Jornal Estado de S. Paulo, formava as bases do enraizamento cultural e político. “.

A fundação da universidade foi o movimento final do processo iniciado por parte da elite de São Paulo que teve início nos anos vinte. Por fazerem parte de uma nova elite, tais pessoas eram contrárias politicamente às oligarquias do café que até então davam forma às classes sociais mais abastadas de São Paulo. Paradoxalmente, parte dessa burguesia apoiou a fundação da universidade, já que possivelmente ficaria mais “barato” educar seus filhos no pós-29, além de fazerem frente ao governo nacional.

Esse novo grupo, formado em sua maioria por profissionais liberais, se organizavam no jornal O Estado de S. Paulo, de Júlio de Mesquita Filho. Para eles a educação era a grande arma para desestabilizar a sociedade dominada pela República do Café-com-Leite, criando um pensamento baseado “nos mais altos interesses da nação”, dando os direcionamentos à política nacional. Para esses liberais, era dever de São Paulo exercer um “imperialismo benéfico” ao resto do país. Então foi nas matérias do jornal O Estado de S. Paulo que se iniciou uma campanha a favor da criação de uma nova universidade. Tal campanha teve o apoio de pessoas como Fernando de Azevedo e Armando Salles de Oliveira.

A Revolução Constitucionalista de 1932 deu força ao projeto, pois era uma forma de reerguer moralmente o estado de São Paulo. Assim as pessoas mais diretamente ligadas à campanha de criação da universidade enxergaram em Getúlio Vargas em Vargas uma peça-chave na eliminação dessas oligarquias cafeeiras, ou ao menos no seu enfraquecimento político.
A burguesia paulista apresentava um caráter ambíguo neste período: se de um lado havia aqueles que viam em Vargas a supressão política da ala mais conservadora dos próprios paulistas, por outro este grupo tinha posicionamentos ideológicos liberais democráticos.
De modo que se pode considerar primordial aos planos e criação da USP a nomeação, por Vargas, para interventor do estado, Armando Salles de Oliveira que era um dos sócios do jornal O Estado de S. Paulo.

Considerações finais

A autonomia ganha tanto pela descentralização administrativa da educação concedida pela constituição de 1934 quanto pelo poderio econômico de São Paulo, colocou a universidade deste estado em posição mais autônoma, possibilitando inclusive “trair” a intelectualidade nacional, chamando catedráticos de outras partes do mundo, fato que garantiu certa estabilidade para instituição. Os membros da intelligentsia nacional se recolheriam à Universidade do Rio, onde seriam massacrados pela reação governamental ao golpe da Aliança.

É neste momento que o governo define-se centralizador e autoritário, encampando todas as iniciativas esboçadas pelos modernistas, e/ou decorrentes delas, e posteriormente minando a organicidade desse grupo, através da perseguição no Rio de Janeiro.

Em São Paulo não houve espaço para criação legitimamente nacional, por questões estruturais e políticas. Tratava-se de uma escola elitista, voltada para os padrões europeus. Em nenhum momento, mesmo na sua fundação, a USP se caracterizou por ser uma escola que difundisse conhecimento unicamente. O ensino superior dessa instituição foi extremamente benéfico para a formação das elites paulistanas, servindo como uma forma de manter os padrões intelectuais e políticos de controle da sociedade.

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